Há uma década, quando Daniela Cervi se inscreveu no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome), ela jamais poderia antecipar o extraordinário desfecho que marcaria seu caminho. A surpresa, contudo, ultrapassou todas as expectativas ao culminar em um encontro emocionante durante seu próprio casamento.
Cascavel, situada no oeste do Paraná, testemunhou o desdobramento dessa história singular. Enquanto o cerimonialista conduzia a celebração, um trecho especial foi lido, envolvendo Daniela de maneira única:
“À imagem de Cristo, Daniela compartilhou parte de si para dar vida a outra pessoa. Em profundo agradecimento, as flores foram entregues por quem recebeu sua doação de medula, Andreia Ferreira,” anunciou o cerimonialista no casamento de Daniela.
Não houve como escapar: a emoção envolveu a todos os presentes.
“É indescritível, uma emoção imensa mesmo. Vê-la pessoalmente, tocá-la e pensar ‘essa pessoa foi salva por uma atitude minha’… A Andreia já era parte da nossa família desde a primeira ligação do Redome,” compartilhou Daniela, emocionada.
Como tudo aconteceu
A trajetória de como tudo aconteceu é relatada por Daniela, que se cadastrou como doadora de medula óssea em 2013, durante sua primeira visita ao Redome ao lado da mãe.
“Minha mãe foi doar sangue, e a atendente me pediu para doar também. Como era menor de idade, precisava da autorização dos pais ou responsáveis. Minha mãe autorizou, fiz a doação e, na mesma ocasião, nos cadastramos no Redome,” explicou a social media.
A probabilidade de encontrar um doador compatível é de uma em cada 100 mil. O Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome) é o sistema responsável por cruzar os dados de voluntários e pacientes, medindo essa compatibilidade.
No Paraná, existem 570 mil cadastros, mas cerca de 650 pessoas aguardam por um doador compatível.
Com alguns anos de cadastro, Daniela inicialmente pensou que seria difícil encontrar alguém compatível para receber sua doação. No entanto, em abril de 2021, recebeu a notícia de que poderia ser uma possível doadora para um paciente. Após um exame, foi confirmada a compatibilidade de 100% com a paciente que necessitava do transplante.
Em dezembro do mesmo ano, ela realizou a doação de medula, passando sete dias em um hospital de Curitiba.
Enquanto isso, a 680 quilômetros de distância da capital paranaense, Andreia, residente em Zacarias, São Paulo, lutava contra uma leucemia nas células do sangue desde 2017.
“Eu sentia muita dor nos ossos, tinha muita fraqueza e perdia muito sangue, chegava a precisar de transfusões frequentes. […] Na consulta, as médicas informaram que haviam esgotado todas as opções de tratamento oferecidas pelo governo e que não restava mais alternativa além de entrar na fila para o transplante.”
Para passar pelo transplante, o paciente enfrenta um tratamento que visa atacar as células doentes do sangue e destruir sua própria medula óssea. A etapa mais desafiadora é encontrar um doador compatível para repor essa medula.
É uma corrida contra o tempo, uma corrida que Andreia conseguiu vencer. Seu transplante ocorreu em 7 de dezembro de 2021.
O Encontro
Um ano depois, ainda mantendo o anonimato, Daniela enviou uma carta emocionada para Andreia.
“Olá, confesso que é um pouco estranho escrever uma carta com tanta emoção, carinho e felicidade e ainda não saber seu nome e não te conhecer. Quero te dizer que viver esse momento como doadora foi a melhor experiência da minha vida,” expressou um trecho da carta.
Alguns meses depois, as duas finalmente trocaram mensagens de celular pela primeira vez. O sigilo entre doador e receptor de medula óssea é uma regra do Redome, que só permite a quebra do sigilo após um ano e seis meses do transplante.
Durante essas conversas, o combinado era realizar uma chamada de vídeo para que ambas pudessem se conhecer melhor. No entanto, devido à correria nos preparativos para seu próprio casamento, Daniela não conseguiu concretizar esse encontro.
Foi então que o noivo de Daniela, Rafael Meira Ribeiro, ciente do desejo dela de conhecer Andreia, organizou a surpresa do encontro entre as duas durante o casamento.
“Me senti muito feliz. Tudo que estava acontecendo, o casamento e por fazê-la feliz, sabendo o quanto ela queria (encontrar a Andreia). Era amor por tudo, pela vida dos outros, por nós,” afirmou Rafael.
Dessa forma, o desconhecido ganhou contornos, cores e emoção. Um gesto voluntário de amor feito há uma década se transformou em um belo recomeço de vida.
“Hoje eu não estaria aqui. Não estaria, para ver a importância que tem um transplante, é muito importante. Eu não estaria aqui,” declarou emocionada Andreia.